quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

DESFAÇATEZ

Na semana anterior à natalina tivemos mais uma prova de que nossa classe política chegou no fundo do poço, quando o Senado Federal (se é que ainda merece ser chamado assim) aprovou o aumento do número de vereadores em todas as cidades do país. E a coisa só não ficou pior porque a Câmara não podia promulgar (não que eles não quisessem). Dane-se que o mundo atravessa uma crise econômica sem precedentes e que essa crise já está afetando a atividade econômica brasileira (todo mundo já percebeu que não é uma marolinha). O que importa é fazer festa com dinheiro público arrumando lugar para mais inúteis que apoiarão os ilustres parlamentares nas eleições de 2010.
Para que gastar milhões com a saúde pública, se podemos usar esse dinheiro para pagar salários para milhares de políticos medíocres que não fazem a menor idéia do que é legislar? Ou alguém pode provar que as câmaras municipais servem ao propósito de sua existência? O mais espantoso é que quase a totalidade dos senadores, situacionistas ou de oposição, votaram a favor da malandragem, sem o menor pudor, sem preocupação em pelo menos disfarçar. Foram apenas cinco votos contrários (abstenções são a clara manifestação da covardia e desonestidade moral de quem se omite).
E somando-se aos escândalos seguidos do Poder Executivo, a malandragem e desonestidade do Poder Legislativo, o Poder Judiciário vai se juntando à festa. Como se não bastassem os problemas crônicos de um sistema processual arcaico e formalista e de uma estrutura administrativa feudal, a incompetência tomou conta dos espaços ainda não ocupados pela corrupção. Os competentes e honestos vão ficando ilhados e, pior, desmotivados.
No escândalo do TRT de São Paulo, ninguém se perguntou como um único juiz administrava sozinho uma obra daquele porte. O resultado das investigações foi de uma inacreditável ingenuidade ao atribuir toda a responsabilidade ao juiz Nicolau, ou seja, todos os outros juízes do TRT de São Paulo nunca se importaram com o volume de dinheiro gasto ou com os atrasos na obra e nem deviam fazer isso, segundo os investigadores.
Os acontecimentos recentes no Tribunal de Justiça do Espírito Santo mostram claramente a ausência de temor da punição. Mesmo diante da possibilidade de grampo telefônico, os desembargadores envolvidos continuaram a tratar de negócios pelo telefone, usando até mesmo de ironia. É óbvio que têm certeza de que nada lhes acontecerá.
Em São Paulo, um juiz tem diante de si um processo movido por um banco agenciador do BNDES em que as provas de negociata e crime são claras. Mas ao invés de determinar a investigação dos fatos, defere tudo que o banco requer, por mais absurdo que seja. Para a liberação de R$ 4 milhões de financiamento, um empreendimento foi avaliado em R$ 12 milhões, pelo próprio banco agente do BNDES. O dinheiro jamais foi usado na obra, pois serviu apenas para pagar o financiamento original feito pelo próprio banco.
Pois ao executar os verdadeiros donos do empreendimento, o banco considerou que o empreendimento que ele mesmo avaliou em três vezes o valor da dívida era insuficiente e pediu a penhora de outros bens dos administradores. E o ilustre magistrado deferiu. E apesar de representações feitas pelos administradores ao BNDES, Banco Central e Ministério Público Federal, nada ocorreu, mesmo com o envolvimento de um dos investigados numa das operações da Polícia Federal que atingiu vários prefeitos.
Há alguns dias, novamente um banco conseguiu uma liminar no Superior Tribunal de Justiça para suspender o levantamento de uma condenação deferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, conseguindo efeito suspensivo em recurso especial de ação rescisória que nem havia sido protocolada! Coisa julgada nada, o que importa é beneficiar quem pode mais.
Os três poderes da República sempre tiveram sérios problemas. A corrupção sempre existiu. Mas agora nem se preocupam em disfarçar. Dane-se a mulher de César.
GOSTAR DO QUE SE FAZ
Desde a última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), vários articulistas vêm questionando a posição de Lula, pois o nosso Pequeno Timoneiro afirmou seguidas vezes que os juros deveriam cair. Presumindo-se que o presidente da República é a mais alta autoridade política, militar e econômica da nação, todo mundo acreditou que o presidente do Banco Central iria obedecer ao chefe. Mas não foi o que aconteceu. E a conseqüência disso? Nada.
O que mais chama a atenção na reação da imprensa é a falta de memória e uma espécie de ausência de observação nos acontecimentos políticos dos últimos seis anos. Desde o início de 2003 Lula deixou bem claro que não gostava de governar. Para ele, o mais importante era o papel de chefe de Estado, que inclui viagens internacionais, discursos na ONU e em uma infinidade de encontros políticos, divulgar projetos mirabolantes e chamar a atenção publicamente daqueles que não tornam suas promessas realidade.
Primeiro, o papel de chefe de governo era dividido entre José Dirceu e Gushiken. Com a queda de ambos, o papel passou a ser exercido por Pallocci. Lembremos que na queda dos dois primeiros, Lula afirmou não saber o que faziam, o que já deixava claro que não gostava de saber das coisas do governo. Quando Pallocci caiu, Lula se viu em um mato sem cachorro, pois havia perdido o chamado "núcleo duro" de seu governo. Mas aí apareceu Dilma, segundo Sarney, a "sacerdotisa do poder público" (ninguém conseguiu entender o que ele quis dizer com isso, mas tudo bem).
O problema é que a ministra não gosta de política. Odeia discursos e não tem paciência com a imprensa, muito menos com os políticos, se bem que com esses até o povo está sem paciência. Estaria tudo bem, já que Lula adora discursos, viagens, imprensa e políticos (de preferência estrangeiros, mas os nacionais também servem, desde que seja em um churrasco), mas nosso diminuto líder resolveu escolher sua primeira-ministra como a eventual sucessora nas próximas eleições. E eleições envolvem tudo aquilo que Dilma não se sente a vontade quando faz.
Mas Lula gosta tanto de discursos que faz por ela e gosta tanto de viagens que viaja com a ministra mesmo que ela permaneça calada a maior parte do tempo. O importante não é transformar Dilma em um fenômeno eleitoral, mas conceder a ela cacife político para fazer o que ele não gosta: governar.
É aí que entra Meireles. O presidente do Banco Central tem cuidado da política econômica do governo sem muitos problemas, a não ser o PT (paradoxalmente o partido do presidente da República!). Mas apesar da gritaria do partido de seu chefe, faz o que bem entende na condução da política econômica, principalmente após a saída de Pallocci, pois com Mantega seu trabalho ficou muito mais fácil.
Não tendo ninguém capaz de dividir o comando, o presidente do BC cuida da política cambial, dos juros, da emissão de moeda e acaba determinando o que os outros ministros podem ou não fazer. Com isso, mesmo com Lula chamando a crise de marolinha, afirmando que estamos blindados e aconselhando Obama sobre como governar, o país segue enfrentando a crise como pode. O conservadorismo de Meireles pode ser criticado, mas é preciso que se reconheça que seria mais fácil agradar o chefe do que deixá-lo amuado.
Mas o presidente do Banco Central sabe que a chateação do chefe não tem conseqüência nenhuma, pois sem Meireles no comando e com Mantega e Dilma lhe assessorando, Lula não desfrutaria de 70% de aprovação por parte da patuléia. E para um chefe de Estado é isso que importa. Para governar é melhor manter o zelador.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

POPULARIDADE INTRANSFERÍVEL

A pesquisa Data Folha divulgada nesta segunda-feira, com José Serra isolado numa liderança parecida com a de Lula antes das eleições de 2002, mostra que a popularidade única alcançada por nosso Pequeno Timoneiro não transfere votos para sua escolhida ( ou seus escolhidos até lá ). Tanto Dilma ( se a escolha for caseira ) como Ciro Gomes ( se a escolha for conveniente ) não são páreo para o governador paulista. Nem mesmo Aécio pode fazer frente, até o momento, à liderança de Serra ( o próprio Aécio coloca a liderança nas pesquisas como determinante para a escolha do candidato tucano ).

Com a recente divulgação de pesquisa do mesmo instituto atribuindo a Lula um grau de aprovação fantástico ( sem ser surpreendente ) o resultado da pesquisa eleitoral poderia provocar nos incautos a dúvida sobre a relação entre ambas. Isso é um tremendo equívoco, pois a popularidade de Lula não contamina seu governo como um todo. Aprovar Lula não é o mesmo que aprovar o Governo Lula ou o PT. Detentor de um carisma ímpar, Lula não precisa demonstrar capacidade de governar ( que não tem ), nem mesmo qualidade nas escolhas para nomeações. O Presidente tem o dom de conquistar as platéias, principalmente os excluídos, a massa eleitoral que não lê jornal nem tem o menor conhecimento da crise ou dos escândalos ocorridos nos últimos 6 anos.

É justamente aí que a coisa complica. Esse público não transfere afeição nem admiração. Para eles, Lula é Lula, Dilma não é ninguém. Não querem saber quem é a mãe do PAC, te porque nem imaginam o que é o PAC. Se Dilma fosse a mãe do Bolsa-Família ainda teria uma chance, mas de um programa cheio de buracos e propaganda enganosa, fica difícil votar na ministra preferida de Lula. O problema de líderes como nosso presidente, é que seu carisma é pessoal e intransferível. Seus auxiliares não empolgam, até porque Lula não escolhe líderes, muito menos gente capaz de empolgar, seja pela competência ou pelo dom de se comunicar. Ciro Gomes foi um exemplo de liderança que se submeteu à imagem de Lula. Enquanto ministro, Ciro ficou fora dos holofotes por 4 anos. Como Deputado vem tentando voltar à mídia, mas quando isso ocorre é para defender o carinho devotado por seu irmão à sua esposa e sua sogra.

Quanto às outras opções petistas, o próprio partido sabe que não tem condições de roncar grosso. Tarso Genro vem destruindo sua própria biografia desde que assumiu a pasta da justiça. Patrus Ananias não deslancha nem em Minas Gerais. José Dirceu e Palocci trabalham nas sombras e preferem continuar a ser eminências pardas, enquanto Marta e Mercadante são sinônimos de fracasso. Na base aliada, os nomes que aparecem no PMDB servem muito mais para valorizar o passe do partido ( se é que o PMDB ainda é um partido ), que na hora H vai apoiar quem der mais.

Pelo menos por enquanto, Serra só tem um adversário, o PSDB. Seu partido sempre sofreu por ter caciques demais, sucumbindo à vaidade de seus líderes. Não seria espantoso que Lula e Serra se aproximassem, realizando o que hoje parece impossível, reunindo dois partidos semelhantes, com bons nomes e boas propostas. Essa reunião seria imbatível, mesmo sem o apoio fisiológico do PMDB. Mas os dois também tem um defeito que os torna mais semelhantes ainda e que é o verdadeiro obstáculo à sua realização: a vaidade de suas lideranças. Seriam candidatos demais para poucos cargos.
EQUÍVOCOS DE PARTE A PARTE.

Em artigo publicado na sexta-feira no jornal Folha de São Paulo, o Coronel da Reserva e ex-Ministro Jarbas Passarinho, que também foi Governador do Pará e Senador da República, se manifestou sobre o revanchismo de Tarso Genro e sua turma em relação aos torturadores do Regime Militar. Juridicamente o Coronel tem suas razões, ideologicamente também. Mas historicamente existem equívocos que por sinal também ocorrem do outro lado.

Em um determinado trecho de seu artigo, Jarbas Passarinho define os benefícios excepcionais que os anistiados que foram vítimas de tortura ou perseguição política, tem direito a receber do Estado. O ex-Ministro da Ditadura e um dos artífices do AI-5 ( autor da célebre frase “às favas com os escrúpulos”, atribuindo à FHC o pagamento das indenizações aos “vencidos”, comete um erro histórico. A indenização foi concedida pelo artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988. A lei promulgada por Fernando Henrique veio apenas corrigir distorções decorrentes de interpretações equivocadas da norma constitucional. Utiliza em seu artigo a expressão de Quincas Borba “aos vencedores as batatas”, considerando que houve a inversão da frase, pois as batatas teriam sido distribuídas aos vencidos. Por acaso houve alguma guerra civil no Brasil em 1964 para que existam vencidos e vencedores? Um golpe de estado articulado por interesses privados e financiado por banqueiros conduz a alguma vitória? Esqueceu-se o ilustre militar da reserva que as batatas colhidas pelos supostos vencedores foram muito mais apetitosas que aquelas que hoje são distribuídas aos “vencidos”. Generais que construíram chácaras ao redor de Brasília com material do Exército, a roubalheira ocorrida durante as obras do Brasil Gigante e do Milagre Econômico de Delfim Neto, tudo isso resultou em muito mais do que batatas para os vencedores. Injusta e incorreta a afirmação do ex-Ministro.

Mas a afirmação mais infeliz é certamente o momento em que Jarbas Passarinho tenta justificar a tortura praticada nas delegacias e quartéis, em relação à violência da guerrilha e do terrorismo. Primeiro, esclareça-se que pequena parte dos indenizados é formada por membros das organizações paramilitares de esquerda. A grande maioria é formada por pessoas que foram demitidas de estatais ou da administração federal apenas por exercerem atividade sindical ou por manifestarem em algum momento discordância do regime imposto pelos “vencedores” e isso inclui centenas de militares devotados à democracia e que se ergueram contra o golpe da caserna oportunista, que também foram beneficiados pela anistia, caso do falecido ex-capitão da aeronáutica Sergio Macaco, preso e exonerado por ter se recusado a cumprir a ordem de assassinato de presos políticos, dada por seu superior, o Brigadeiro Burnier. O maior equívoco de Jarbas Passarinho é justificar a delinqüência estatal, seja qual for a razão, injustificável. Sob a alegação de defesa da ordem, as Forças Armadas e a Polícia praticaram crimes e perpetraram barbaridades, quase sempre contra inocentes. Ou será que o ilustre ex-Ministro de Fernando Collor considera que Wladimir Herzog era terrorista? Aparentemente o ex-Ministro da Justiça jogou seus escrúpulos às favas quando da edição do AI-5 e jamais encontrou-os novamente. As palavras do Coronel justificam a tortura policial, bastando que a suspeita seja relacionada a um crime hediondo. Jarbas Passarinho termina seu artigo com a seguinte frase: “Perto de 30 anos passados, o esquecimento é unilateral”.
Tarso Genro pode ter escolhido uma hora infeliz para tocar no assunto, mas o ex-Ministro dos militares esqueceu-se que quem bate sempre esquece. Quem apanha, jamais.