segunda-feira, 16 de março de 2009

Discurso e realidade

Desde o início da atual crise econômica mundial ouvimos a ladainha de que o nosso sistema bancário é mais sólido que o norte-americano e o europeu, por conta da política monetária e do controle do Banco Central. Tudo isso é balela. Nossos bancos têm a maior lucratividade mundial do sistema financeiro internacional, por conta de taxas e tarifas que estão entre as mais altas do mundo. Tudo isso aliado a um alto grau de automatização e baixa remuneração da mão-de-obra resulta em lucros acima de 1.000%, algo sem par no resto mundo.

Nossos bancos construíram sua solidez em cima de remuneração altíssima de seus investimentos e do maior spread bancário do mundo. Graças a isso, seus lucros permitiram que o patrimônio dessas instituições chegasse a níveis inigualáveis. Basta ver o percentual das operações brasileiras de bancos norte-americanos e europeus e verificar que são de longe as mais lucrativas. Isso sim é a verdade sobre a solidez de nosso sistema bancário e não a conversa fiada oficial.

Mas a crise descortinou essa realidade e trouxe a possibilidade de reflexão sobre essa organização de nossos bancos. O discurso mais constante hoje, pelo menos por parte da equipe econômica, é sobre a diminuição do spread, ou seja, da diferença entre a remuneração das aplicações e a dos empréstimos. O governo reduziu a taxa básica de juros e o percentual do compulsório. O Legislativo modernizou a legislação processual introduzindo os leilões extra-judiciais e a penhora online. A única alteração que falta é a revogação da impenhorabilidade do bem de família, considerado pelos bancos (e pelo bom senso) como lei do calote.

Porém, mesmo com todas as alterações introduzidas e contando ainda com o Serasa, poderoso espião eletrônico que controla todas as operações financeiras de pessoas físicas e jurídicas do país, os bancos insistem na manutenção de taxas de juros altíssimas. A razão é que nossos banqueiros se acostumaram a lucrar muito sem produzir riqueza. A automatização dos bancos não qualificou sua mão-de-obra, mas a reduziu a um nível mínimo, bem abaixo do necessário (quem vai a bancos sabe disso).

Mas os bancos estatais também o fazem, e muito. Nenhum outro banco privado conta com tantos estagiários fazendo papel de escriturários quanto o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, mas o governo insiste em botar a culpa nos vilões da iniciativa privada. Além disso, basta consultar as taxas cobradas por ambas as instituições financeiras oficiais para verificar que não existe a menor diferença entre elas e aquelas do setor privado. Por que o governo não dá o exemplo, que nesse caso, desencadearia a melhor forma de mudar o cenário bancário?

Se o Banco do Brasil e a Caixa Econômica reduzissem suas taxas e suas tarifas, sem dúvida sacudiriam o mercado, tanto em função de seu tamanho como da sua extensa malha de agências. O próprio mercado se ajustaria diante da concorrência. E nem se pode falar de acionistas, já que a CEF nem os tem, pois é uma empresa pública, controlada integralmente pelo Governo Federal. No caso do Banco do Brasil, seus acionistas teriam muito menos a temer do que os do Citibank têm temido há meses.

Mas por que isso não acontece? Simples, falar não paga imposto e língua não tem osso, por isso basta fazer discurso elegendo inimigos sem rosto, tomando o cuidado para não fazer nada de concreto. Qual um banqueiro, o Governo Federal lucra com os resultados de suas instituições financeiras e pode usá-las como quiser para fins políticos. Por conta disso, podem ter certeza que a balela vai continuar, mas no final nada vai mudar.
Mistérios

O famoso processo de compra dos novos caças para a Força Aérea Brasileira traz algumas curiosidades que igualam os problemas do setor militar ao civil. Quando da primeira versão do programa FX, ainda no Governo FHC, o caça russo Sukhoi SU-30 foi considerado por praticamente todo o pessoal da FAB como o melhor candidato em todos os quesitos: autonomia, manutenção, robustez e transferência de tecnologia. Na época, concorrendo com o francês Mirage 2000, da Dassault, e com o sueco Gripen, da Saab, o avião russo era o favorito, mas sofria a concorrência política dos franceses, pois a Dassault tornou-se acionista da Embraer e passou a fazer pressão no Congresso Nacional e no próprio Ministério da Defesa.

Suspenso o programa na transição de Fernando Henrique para Lula, foi adiado para o próximo mandato, sendo reaberto apenas no ano passado. A razão da preferência do pessoal da FAB era justificada, pois o Gripen não tinha autonomia para um território como o nosso; o Mirage 2000 era um projeto da década de 70 e já estava fora de linha na França; os EUA, que concorriam com o F-16, já estavam fora do jogo diante da limitação de transferência de tecnologia, absolutamente proibida por lei federal norte-americana. Diante da impossibilidade de operar dos caças Mirage III brasileiros, o Governo Lula, emergencialmente, comprou 12 caças franceses usados Mirage 2000 para suprir o treinamento dos pilotos até a chegada dos novos caças.

Os candidatos mudaram, participando novos caças dos mesmos fabricantes. Os EUA vieram com o Hornet, os alemães com o Tornado, os franceses com o Rafale, os suecos com o Gripen NG (apenas um projeto com dois protótipos em vôo) e os russos com o SU-35 (versão mais sofisticada do SU-30). Curiosamente o caça russo foi descartado logo na primeira fase do programa, sem maiores justificativas. O mais estranho é que o Gripen NG, que é apenas um projeto, continua tendo baixa autonomia diante do enorme espaço aéreo brasileiro, mas foi selecionado. O caça da Boeing, o F/A-18 Hornet, continua sendo vendido com inúmeras restrições de armamentos e aviônicos, contrariando a própria Política Nacional de Defesa, documento elaborado pelo atual governo. O caça francês é o mais caro dos candidatos, não tendo uma relação custo-benefício tão atraente.

O caça russo, além de introduzir alta tecnologia na FAB, poderia estreitar ainda mais os laços entre o Brasil e a Rússia, que já se torna um grande fornecedor de armas para o Exército. A própria Sukhoi já vinha se aproximando da Avibrás, para facilitar a manutenção e transferência de tecnologia. As alegações de que a indústria russa utiliza medidas que tornam difícil a compra de equipamentos pelos países ocidentais cai por terra diante da compra de Helicópteros Mil pela FAB e da própria utilização de caças Sukhoi e Mig por países sul-americanos, também habituados aos padrões ocidentais.

Diante disso, fica a pergunta: estão os militares se tornando cada vez mais parecidos com os civis no que diz respeito ao sacrifício do pensamento no todo em prol do benefício individual ou de grupos? Esperamos que não.
Casa da Mãe Joana


O Congresso Nacional não tem mais autoridade moral alguma há muito tempo, mas os acontecimentos recentes deixaram a sede do Poder Legislativo abaixo da lama. Se na Câmara dos Deputados ressuscitaram Michel Temer e escolheram um político do baixo clero cheio de problemas éticos e legais para a função de corregedor, no Senado a festa foi inacreditável. Renan Calheiros continua forte, algo inconcebível até em republiquetas de bananas, depois de ser pego com as calças na mão, depois de ter sido exposto em praça pública, com toda a sociedade indignada, e o que aconteceu? Absolutamente nada.

O ilustre e probo Senador da República continua dando as cartas, articulou a volta por cima de Sarney, outra figura que deveria ter sido banida da política nacional há tempos, e ainda colocou Fernando Collor de Mello no comando de uma das comissões mais importantes do Congresso (leia-se, com mais dinheiro). Os três nomes acima, caso o Brasil fosse um país formado por pessoas com vergonha na cara, estariam no mínimo fora da vida pública, aguardando suas condenações judiciais. Porém, nem foram condenados, muito menos banidos do cenário político.
Mas o mais espantoso não ocorre daquele lado da Praça dos Três Poderes, mas no Palácio do Planalto, do outro lado da avenida. O presidente da República, que chamou Sarney de ladrão, que combateu Fernando Collor com todas as forças (lembram-se do Governo Paralelo?) e jamais demonstrou respeito por gente como Renan, tudo isso até 2002, lógico, hoje é fiador de todas essas jogadas, inclusive contra seu próprio partido.

Será que tudo isso é consequência normal da política como ela é? É preciso se despir da vergonha na cara e da ética para entrar na vida pública? É preciso transformar as instituições públicas em casas da mãe Joana para se chegar à chamada "governabilidade"? Até quando esse povo vai continuar acreditando em mentiras, em safadezas travestidas de programas sociais, em obras superfaturadas, em processos que jamais resultam em nada, em marginais transformados em autoridades?

Chega um momento em que perde-se a possibilidade de acreditar em mudanças. E essa hora está bem próxima, pelo menos para quem pensa um pouco.
Gabriel O Pensador

Recebi um e-mail trazendo a notícia de que uma música de Gabriel O Pensador teria sido censurada em seu último CD. Como anexo, vinha a tal música e sua letra. Ao ouvi-la, me perguntei qual teria sido a razão da censura, pois o que o compositor diz na letra é exatamente aquilo que todos os jornais do país repetem diariamente: nossos políticos não prestam. Imaginei que só podia ter sido censura da própria gravadora, pois o comando dessas empresas é basicamente formado por gente medíocre, que morre de medo de processos e ameaças governamentais.

Mas a música em si, não traz nenhuma novidade a não ser exteriorizar o que um rapaz muito inteligente e talentoso (sempre gostei muito do trabalho dele) sente diante de toda a gatunagem oficial. Chico Buarque já havia feito isso nos anos 70 com Homenagem ao Malandro, portanto não entendi a suposta censura. Depois soube que a música não foi censurada, pois fazia parte do quinto disco de Gabriel, mas o e-mail cumpriu seu papel, até para inspirar esse artigo.

Na música, Gabriel diz que a corrupção é a causa da fome, da violência e do atraso. Isso é lógico. Existe corrupção na saúde, na educação, no Executivo, no Judiciário, no Legislativo, na esfera federal, estadual ou municipal e todo mundo sabe disso. Desviam dinheiro até de merenda, de remédios, de ambulâncias, entre outras coisas que em países sérios levariam ao linchamento político dos gatunos, mas não é isso que acontece por aqui. Nessas bandas, os autores desses delitos são eleitos senadores, deputados, vereadores, prefeitos, governadores e até presidentes.
Um petista de origem sindical concordou comigo que jamais imaginaria os afagos de nosso Pequeno Timoneiro à banda podre do PMDB, se isso lhe fosse perguntado há oito anos atrás. Muito menos que cirurgias plásticas fossem elementos obrigatórios de uma campanha eleitoral petista. "Pega ladrão", diz o refrão da música de Gabriel O Pensador, e isso é o que todos os homens com um mínimo de honestidade dizem nesse país quando assistem ao Jornal Nacional. "Banda podre do PMDB" disse eu, mas existe banda boa? O que pode existir é a banda dos omissos, que deixam os ladrões a vontade.

Se existem políticos corruptos, isso acontece com a conivência dos supostos honestos, que se acovardam diante das gatunagens. Enquanto isso, no país do Carnaval, o ministro do Trabalho afirma que vemos a crise através do espelho retrovisor. Pois é, mais de 130 mil postos de trabalho fechados e o ministro ainda não viu a crise. O presidente não sabe de nada e seu ministro é cego. Nenhum deles se preocupa ao menos em manter as aparências. No Judiciário o estilo "Jobim" foi substituído pelo estilo "Gilmar", a Corregedoria da Câmara quase fica nas mãos de um sonegador (para ser magnânimo) e os ministérios são negociados com preço acertado. No Senado, Sarney ganha a presidência e Renan garante a pensão de seu rebento.

Sem dúvida, Zeca Pagodinho está certo, tanto quanto Gabriel O Pensador: se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão!